segunda-feira, 20 de abril de 2009

Utilitário

- Bisous appelle moi! (Beijo me liga)

- Je suis le mouton noir (Eu sou a ovelha negra)

- Laisse tomber... (Deixa quieto...)

- Reste l'indice! (Fica a dica!)

La façon française

- Qu'est-ce que vous pensez de la crise?

- Bah oui... ãaaa... en fait.... si on parle sur ça... ça veut dire que... alors... ãaaa.... oh la la !

O complicado também é relativo

Parcimônia = parcimonie
Defenestrar = defenestrer
Neurastênico = neurastenique

domingo, 19 de abril de 2009

Especialidade: greve

Em uma daquelas aulas de francês que me fazia sentir como se voltasse à quarta série do ensino fundamental – do estilo redação “Minhas Férias” –, tive que, sem haver preparado nada, falar sobre o estereótipo do francês em meu país. Minha mente travou na imagem clássica: um homem de bigode, uma boina – surrada de preferência -, com uma baguete debaixo do braço. Avançando para a parte não explícita da minha imagem mental, pensei nesse prezado senhor suando sobre sua baguete, exalando muito perfume caro escolhido pela falta de banho, falando mal do Sarkozy e fazendo greve.

Ao racionalizar sobre o que, desse estereótipo, correspondia à realidade próxima a mim, percebi que vi pouquíssimos bigodes, algumas poucas boinas, mas me lembro de sentir alguns odores estranhos, apesar de notar que muitos franceses se banham. Baguetes há por toda a parte, carregadas sem muita proteção, no máximo um saquinho plástico aberto numa das extremidades. Sarkozy está, todos os dias, nos principais jornais, sempre acompanhado de pelo menos uma palavra depreciativa. E a greve, ah a greve, esta está tão presente nos meus dias e nunca soube lidar muito bem com ela. Ela cruza meu caminho, eu tento cruzar o dela e nunca nos entendemos muito bem.

Quando conheci a universidade, na minha primeira semana na França, me lembro de algo que chamou a atenção: pichado, no alto do prédio do meu curso, a inscrição “Viva la comuna!!” parecia querer saltar e criar vida. Foi um daqueles momentos em que me senti como se pisasse com um pezinho tímido na história. Maio de 68, muitas boinas e bigodes ambulantes, fumaça de cigarros por toda a parte. Mas era uma realidade distante. Ledo engano. Mais uma semana e anunciam: greve na universidade. Professores e alunos, todos aderiam.

Em 29 de janeiro acontecia a primeira manifestação geral da França em 2009. Contra a supressão dos cargos públicos, pelo ensino de qualidade, contra os pacotes do governo para a crise econômica! Trabalhadores e estudantes estavam juntos, como em 68. Eu estava confusa, a greve cruzava meu caminho, logo, cabia a mim cruzar o dela. Fui à manifestação para tirar fotos. Estava um pouco tensa, apesar de o meu pezinho estar na história francesa, a imagem que eu tinha de greve era a brasileira.

O acontecimento estava previsto para as 11h, em frente à Gare (estação de trem). Eu, com uma câmera fotográfica e medo de apanhar, me surpreendi quando cheguei 10h57 ao local da manifestação e me deparei com vários grupos de pessoas, pequenos e isolados; conversavam tranquilamente. Uma tropa de choque bloqueava a entrada da estação, no mesmo clima dos manifestantes. As 11h em ponto, um aglomerado de pessoas insurgia da curva ao fim da rua perpendicular, que dava de frente para a Gare. Faixas, buzinas e músicas – inteligíveis para mim, pois eram em francês – cantadas em coro. Demoraram cinco minutos para chegar. Mais cinco minutos para cessar. Silêncio. Conversas amenas em novos grupos. A cena se repetiu. Outro grupo, outra música, silêncio. Após 15 minutos, todos partiram, escoltados pela polícia. Saldo da manifestação: nada, nem ninguém quebrado, ruas limpas, alguns bilhões de euros para as universidades (menos que o destinado aos bancos privados), pessoas ainda descontentes.

A greve continuou, nada de aulas. Certo dia, estava em meu quarto e bateram à porta. Era uma moça que falava muito rápido e buscava novos participantes para o sindicato dos estudantes franceses. Era a minha chance de cruzar novamente o caminho da greve. Aceitei. Nas semanas seguintes, fui adotada por um membro antigo do sindicato. Me ligava sempre, convidando para as reuniões. Fui a uma votação, sobre a continuidade, ou não, do bloqueio do acesso à universidade. Há três dias, 66% dos alunos haviam votado pelo desbloqueio. Em frente ao prédio fatídico (“Viva la comuna!!”), uma comissão no alto das escadarias se dirigia aos outros sentados na grama. Os líderes, sentados em cadeiras e fumando incessantemente, perguntavam a quem estivesse por lá – estudante ou não, engajado ou não, inteligente ou não, inteirado do que acontecia ou não – se eles eram “pour” ou “contre” a decisão em questão. Mãos eram levantadas e a coordenadora-mor, após uma varredura com olhos, declarava: “c’est pour le blocage!”.

Num encontro com o companheiro do sindicato, ele me explicou tudo sobre a nova manifestação, de 19 de março, sobre o congresso que aconteceria em abril e a votação para a nova direção do sindicato. Devo ter absorvido cerca de 40% do que ele falou. Eu mais observava seu entusiasmo ao falar, seu engajamento, seu cabelinho semi-comprido, seu croissant e seu café - tudo tão francês, tão maio de 68 - que depois de 20 minutos da conversa agradeci aos céus por ele ter me dado por escrito as propostas das três frentes do sindicato. E aí, fugi, descruzei os caminhos, afinal, entendi qual era a dela.

A Farsa do Jornalista ou O Velório

Este texto propõe contar uma história dos seus personagens. Por isso não apresenta claramente um núcleo dramático, mas vários fragmentos de potenciais enredos. A proposição histórica inicial é real, mas os acontecimentos e suposições que se seguem, como tais, são criados e atemporais. Os personagens, abaixo descritos, são baseados em jornalistas reais, que participaram da VII Semana do Jornalismo UFSC, em 2008. Aqui, eles são estereotipados, mas as falas procuram, em certa medida, manter coerência com suas idéias. Não é recomendável citar essas falas de maneira literal em textos jornalísticos sérios. Os outros personagens, o político e a cantora, são reais, assim como os fatos históricos a eles atribuídos, mas suas relações e discursos com os jornalistas são pura farsa.

Personagens

Carlitos Vá Giner – Jornalista e mulherengo; mais mulherengo que jornalista.
Red Mel Traça – Jornalista e doce de coco; mais doce de coco que jornalista.
Al Sul da Piedra – Jornalista e mestre em suicídio; careca.
Ruim, o Gastro – Gastroenterologista que mudara de profissão, virara jornalista.
Martelo Assaz – Anti-jornalista, no bom sentido da palavra; careca também.

Argumento

Velório de Tancredo Neves, 1985. Momento de comoção nacional. Políticos da época, outras personalidades e jornalistas passam pelo local para dar o último adeus ao primeiro presidente civil após o golpe de 1964. Ruim, o Gastro não se conformara por não ter salvado o homem, que morrera de infecção generalizada, após sofrer fortes dores no estômago e passar por sete cirurgias. O Gastro decidiu por mudar de profissão; não suportava mais lidar com aqueles que sofriam, passou a escrever sobre os que já estavam mortos. Carlitos Vá Giner, macaco-velho, não acreditava na história de morte natural, para ele, Tancredo fora assassinato. Al Sul da Piedra também tinha suas dúvidas, mas as suspeitas eram outras. Martelo Assaz não fazia essas conjecturas, preferia trabalhar sobre o contexto político do momento.

Ato único

(Sala do velório. Um padre rezando ao lado do caixão. Estão presentes a viúva e o Gastro, que observa a cena de um canto, quando entra Carlitos Vá Giner. Este cumprimenta a viúva e segue em direção ao Gastro. Ao fundo toca “Coração de Estudante”, de Milton Nascimento)

Carlitos Vá Giner – Então não descobriram mesmo o que o homem tinha?
Ruim, o Gastro – Ele teve diverticulite, uma inflamação dos divertículos presentes no intestino grosso.
Carlitos Vá Giner – Uma enfermeira gostosa do hospital me confessou que ele foi diagnosticado com um tumor. Confere?
Ruim, o Gastro – Nunca divulgo informações extras. Ainda mais que agora elas fazem parte do meu novo trabalho, que exige meses de apuração. Estou preparando uma biografia do homem, agora ele não pode mais mentir e não tem influência para obrigar os amigos a mentirem. Decidi escrever sobre pessoas mortas, ser médico de vivos é muito difícil. Os que sofrem do estômago normalmente são políticos, ou corruptos; na maioria das vezes, os dois.
Carlitos Vá Giner – Eu vou escrever um livro reportagem. Dentro de um mês estará pronto.
Ruim, o Gastro (quase sussurando) – Picareta...
Carlitos Vá Giner – Como?

(Antes que Gastro pudesse responder, entra Paulo Maluf e sua esposa, Dona Sylvia. Mal eles aparecem em cena, vem Martelo Assaz, segurando um microfone, seguido de Cegando Teixeles, câmera que mantinha uma vida secreta de cineasta)

Paulo Maluf – Boa Noite! Exponho publicamente minhas condolências pelo falecimento de meu adversário político. (Para si mesmo) Ele ganha, mas perde.
Martelo Assaz (ao câmera) – Vem junto Cegando, vem... (Enfiando o microfone na frente de Maluf) Candidato, porque o senhor quer aceitação do povo se foi contra a emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para Presidente da República?
Paulo Maluf – Eu não fui exatamente contra, o povo me conhece e...
Martelo Assaz – Claro que não poderia ter sido contra, o senhor compareceu a apenas quatro votações e mesmo assim se candidatou à Presidência. O senhor percebe que esse fato desagradou os dissidentes governistas e fez com que eles se alinhassem ao oposicionista Tancredo Neves, agora morto, o que levou o senhor a perder as eleições?
Paulo Maluf (desconcertado) – Bom.... eu, eu sempre busquei ganhar por meus próprios méritos, sem depender de aceitação por parte de outros políticos corruptos...
Martelo Assaz – O senhor acredita no que o senhor diz?

(Silêncio extremamente constrangedor. Tosses ao fundo. Maluf finge não ter ouvido e vai cumprimentar a viúva. Enquanto isso, Carlitos Vá Giner começa a dar em cima de Dona Sylvia. Martelo Assaz fica conversando com seu câmera. De repente entra Al Sul da Piedra, manso, sem ser notado. Puxa Vá Giner pelo braço e vão até o proscênio)

Al Sul da Piedra (cochichando, língua semi-presa) – Descobri o verdadeiro motivo da morte de Tancredo.
Carlos Vá Giner – Como assim homem? Tu me tiraste da companhia da Sylvinha, é bom que esteja falando sério, ou vai me pagar uma rodada de cerveja!
Al Sul da Piedra – Olha o que encontrei na gaveta ao lado da cama em que o homem passou os últimos dias. (Mostra um livro) Ele cometeu suicídio!
Carlos Vá Giner (lendo o título) – “De cada amor tu herdarás só o cinismo”. Tu tá comendo pouco tua mulher, enlouqueceu?!
Al Sul da Piedra – O que acontece, meu caro, é que, diferentemente do que se diz, as pessoas não se matam apenas quando tem alguma doença mental ou estão em desespero absoluto. Durkheim já provou que o suicídio se dá com a vida acontecendo a pleno vapor: no verão, de dia, quando se ganha uma eleição à presidência, ou (Fazendo mais suspense) quando se termina um caso de amor extraconjugal...
Carlos Vá Giner – Não vai me dizer que o homem não era santo! Vou investigar, estou achando essa história muito estranha. (Vai para perto do caixão e fica tentando olhar para dentro dele. Al Sul da Piedra fica de pé, num lado do palco observando; cabeça semi-baixa, óculos aro grosso e camisa xadrez. Entra Red Mel Traça e logo se forma um círculo de mulheres ao seu redor)
Red Mel Traça – Ola senhoras, eu vim aqui para fazer um perfil do velório do falecido. Com quem eu poderia falar?

(Al Sul da Piedra, que já estava a observar a situação de longe, aproxima-se, passando pelo meio do grupo de mulheres, que vão se afastando)

Al Sul da Piedra – Olá meu caro jovem, como você pretende tratar de um caso tão delicado e que causa tanto mal-estar nacional?
Red Mel Traça - Um dos requesitos imprecindíveis para um bom texto é surpreender o leitor, senhor da Piedra. Não sei ainda qual será a maneira que encontrarei para contar essa história, mas ela existe e é diferente do convencional.

(De repente, com estrondo, entra a cantora Gal Costa, cantando “Chega de Mágoa”. Em fevereiro ela havia posado nua para a revista Status, o que surpreendeu muitos fãs, mas agregou vários outros)

Gal Costa (à Ruim, o Gastro) – Meu nome é Gal!
Ruim, o Gastro – Muito prazer, já ouvi muito a senhora dizer isso.
Gal Costa – Eu também ouvi falar do senhor. Inclusive que está enveredando para o lado da biografia. O senhor não gostaria de me biografar?
Ruim, o Gastro – Eu não escolho o biografado, o biografado é que me escolhe. Bom, você me escolheu, mas meu processo de decisão é mais interno. Além do que você está muito viva e tem cara de quem tem o dom de iludir facilmente as pessoas ao seu redor.

(Carlitos Vá Giner, ao perceber que se tratava de Gal Costa, desiste de encontrar provas de que o político morreu de morte não natural e vai até a cantora, com cara de conquistador. Percebendo a situação, o Gastro vai apurar informações com os familiares do falecido. Gal e Vá Giner ficam conversando, ela parece não gostar muito do jeito dele)

(A situação vai se desenrolando dessa forma: música mais alta; Martelo Assaz desconcertando políticos e personalidades; Al Sul da Piedra observando e bebericando um destilado; Red Mel Traça olhando para todos os lados para descobrir seu ponto de vista diferente; Ruim, o Gastro entrevistando aqueles que conheceram Tancredo; Paulo Maluf mentindo, Gal Costa dando um fora em Carlitos Vá Giner e na seqüência indo falar com Red Mel Traça.)

(O padre diz as últimas palavras, inaudíveis para a platéia, as pessoas se despedem, alguns choram alto. O cortejo segue o funeral. Gal Costa e Red Mel Traça partem em seguida, rindo; ele com a mão nas costas dela. Ficam Vá Giner, da Piedra, Assaz e o Gastro)

Carlitos Vá Giner – Enfim, agora que minha prenda caiu em outras lábias e eu cansei de investigar esse caso sem solução, proponho irmos prum bar! Isso aqui tá parecendo um velório!

(Todos riem e vão aos poucos saindo, conversando, descontraídos. As luzes vão aos poucos baixando até o escuro completo. As risadas devem ser ouvidas até o final)


Fim